13 de jun. de 2014
E aqui estou eu, aos 48 anos, num bar decadente de uma cidade decadente, escutando uma música decadente e tendo também uma vida decadente. Toda sexta-feira o povinho do escritório se encontra nesse bar de quinta categoria e eu, como uma ótima amiga de trabalho, os acompanho. Mas algo insiste em perturbar essa minha mente que já se acostumou a essa vida de mesmice há algum tempo.
Todos estão rindo e bebendo e eu estou tentando entender onde foi que eu errei durante toda a caminhada da minha vida. Riem, mas riem de que?! Isso até me faz lembrar de uma música tão antiga, mas tão atemporal "rir é bom, mas rir de tudo é desespero.". Todas as pessoas desse bar riem por desespero, acredito eu. Desespero por saber que é essa a vida que elas vão levar para sempre e eu? O que eu estou fazendo aqui?!
Olho para o barman, ele está usando uma blusa xadrez e parece insatisfeito com a rotina, seus olhos não brilham e sua boca parece não ver um sorriso sincero há um bom tempo. Olho para as pessoas ao meu redor e a mesma expressão do barman é a de todo o restante. Tento levantar da cadeira após fazer essa percepção mental, mas se sair dali aonde irei?! Não tenho um namorado ou marido, não tenho um filho, meus pais se afastaram há algum tempo depois que perceberam que eu não sou capaz nem de amar a mim mesma, mas tenho a minha solidão, minha única companheira nas noites frias e decadentes como essa.
Antes de pensar, meu corpo passa a se mover involuntariamente para a porta de saída do bar, dou um tchau para os risonhos desesperados e parto rumo a lugar nenhum. Eu poderia ir para casa, mas minha casa não é um lar, sinto as paredes frias, os móveis mudos, como se eu fosse uma estranha no meu próprio habitat. 
Enquanto caminho pelas ruas dessa cidade que retorno a dizer, é decadente, passo a me lembrar de coisas que eu gostaria de esquecer, mas gostaria de esquecer não porque foram ruins, mas sim porque foram boas demais.
 Eu tinha 15 anos e pensava que a vida era um mar calmo, mas como é que dizem?! "Mar calmo não faz bom marinheiro." Eu era diferente do que sou hoje, totalmente diferente e não digo só de aparência. Tomava como mantra a música do Barão Vermelho "amor para recomeçar". Eu acreditava piamente em todas as coisas boas que a vida iria me proporcionar, porque não havia motivos para ela não fazer isso. Pois fez. Não sei se foi culpa da vida, se foi culpa minha ou da minha insistente mania em ter esperanças. A vida me deu uma rasteira e eu nunca mais me recuperei. Dos meus planos, só sobraram fracassos. Das minhas vontades, só sobraram deveres. Não houve amor que pudesse me reerguer. Não houve esperança que pudesse me encorajar. E o meu mantra nunca mais foi tocado no meu discman, rádio, celular. 
Nunca tive a quem amar e se tive não dei valor e hoje, aos 48 anos, não sei nem quem eu sou. Talvez um aglomerado de falhas e medos. E por um momento volto a realidade e percebo onde estou, caminhei tão longe com os pensamentos que só agora me dei conta que cheguei na ponte da entrada dessa cidade, (que é decadente), não me mudei para cá há muito tempo, mas sei de vários relatos que essa ponte foi point dos suicidas por várias e várias décadas.
Um pensamento rápido e novamente meu corpo se move involuntariamente, estou sentada na beirada da ponte, escutando o barulho do rio que passa logo embaixo. Até posso entender o motivos de tantos terem se matado aqui, é uma ótima música para fechar as cortinas da existência. Doce e calmo som, parece até que seduz para o fundo do rio.
Se eu me jogar alguém vai sentir a minha falta? Talvez o pessoal do trabalho ficará chocado: "Mas como assim ela se matou? Parecia sempre bem." Eu realmente não entendo o significado de "bem" para eles. Estar bem eu nunca estive, mas me mantive em pé todo esse tempo. 
Penso nos meus pertences que estão em casa. Se eu me jogar quem irá mexer naquelas coisas velhas e sem valor? O que farão com tudo aquilo? Na certa dariam para alguma instituição de caridade. Aposto que eles fariam melhor proveito do que eu fiz em todo esse tempo. Minha casa é de aluguel e coitado do Manuel, o proprietário, ficaria sem pagamento esse mês.
Nem quero pensar nos meus pais, provavelmente não saberão da minha morte, nem eu mesma sei onde eles estão, se estão bem, se estão vivos. Se foram fazer aquelas férias que planejavam desde minha adolescência. Mas se eles soubessem, certamente não se importariam. 
Pensamentos e mais pensamentos, cansei de tudo isso. Cansei de pensar em todos os passos que dou, porque mesmo com todo o cuidado, as coisas sempre dão errado. É, está na hora de ser inconsequente uma única vez na vida. Mas se for para ser inconsequente, que seja por algo justo. Pego o celular, mando uma sms coletiva para todos os meus contatos com a seguinte frase: "Desejo que você tenha a quem amar e quando estiver bem cansado ainda tenha amor para recomeçar.". Jogo o celular no rio e me jogo em seguida.








Preto.
Mudo.
Calmo.
A morte veio como uma melodia para mim e foi a mais bonita que eu escutei.